Será que as “momfluencers” estão a impactar negativamente a maternidade? Segundo este estudo americano, sim! 

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Fundadora do projeto Mães às Claras

“Todos nós temos a tendência de nos compararmos, mas alguns de nós são mais propensos a isso do que outros”. – revela a investigadora Ciera Kirkpatrick. 

O fenómeno das momfluencers e a comparação social

Neste artigo vamos falar sobre o fenómeno das momfluencers, ou, por outras palavras, das mães criadoras de conteúdos digitais. Um fenómeno recente que, não sendo totalmente novo, se tem vindo a intensificar por todo o mundo e Portugal não é exceção.

Não vou aqui falar sobre questões éticas e morais, nem formular qualquer tipo de juízo de valor. 

Apenas vou partilhar uma pequena reflexão baseada em alguns estudos de investigação recentes que foram desenvolvidos sobre esse tema e divulgados no portal americano Motherly

Praticamente todas as jovens mães têm hoje em dia uma conta de Instagram. Mesmo aquelas que, como eu, têm naturalmente uma maior resistência a aderir a alguma rede social, cedo ou tarde, todas nós acabamos por ceder e lá criamos a nossa conta. Ainda que seja “só para ver” e não publicar nada. É ou não verdade? 

No meu caso, apesar de já ter conta de Instagram há alguns anos, apenas comecei a consumir conteúdos com regularidade quando engravidei e comecei a perceber que existia todo um mundo de profissionais de várias áreas que produziam e divulgavam conteúdos sobre maternidade, com imensas dicas, cursos, serviços, recomendações de produtos, etc.  

E sem dúvida que, quando temos o cuidado e a capacidade de utilizar o espírito crítico para filtrar todo esse conteúdo e saber selecionar muito bem os profissionais e os conteúdos que são bons, construtivos e realmente informativos, daqueles que apenas contribuem para o caos e desinformação digital, então sim, redes sociais como o Instagram podem ser uma ferramenta de grande ajuda e utilidade! 

O grande problema surge, na minha opinião, quando não colocamos filtro nos conteúdos digitais. Quer nos conteúdos informativos de profissionais, quer nos conteúdos sobre estilo de vida, produtos e parentalidade a que somos expostos diariamente. 

E se és uma mãe de primeira viagem, ficar longe das redes sociais (ou pelo menos limitar a sua exposição) pode ser melhor para ti do que imaginas.

Um estudo recente, realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Nebraska-Lincoln (EUA), analisou a cultura online das “momfluencers” e o seu efeito sobre as mães que consomem o seu conteúdo, e as descobertas foram preocupantes. 

O estudo, publicado no Journal of Broadcasting & Electronic Media, descobriu que as representações cheias de glamour e envernizadas da maternidade feitas pelas momfluencers (casas sempre limpas, filhos felizes, maquilhagem, roupas impecáveis…) podem causar picos de ansiedade e inveja, particularmente nas mães de primeira viagem.

O objetivo era identificar se traços específicos da personalidade das mães poderiam tornar certas mães mais suscetíveis a sentimentos negativos provocados pelo consumo de conteúdos da maternidade perfeita e colorida das redes sociais. 

E, sem grande surpresa, descobriram que aquelas mães com maior orientação para a comparação social, sofriam efeitos negativos mais expressivos e eram mais propensas a internalizar o conteúdo online e, consequentemente, a sentirem-se menos confiantes nas suas próprias habilidades parentais. 

“Todos nós temos a tendência de nos compararmos, mas alguns de nós são mais propensos a isso do que outros”, referiu a investigadora principal, Ciera Kirkpatrick.

Outro resultado interessante do estudo é que ele mostrou que a mudança do conteúdo de fotos para vídeos no TikTok e Reels tem sido melhor para o público, porque é mais difícil para as mães criadoras de conteúdos encenarem e editarem vídeos exatamente da maneira que desejam.  

Para Kirkpatrick, “era mais simples, com uma foto, capturar exatamente o que queremos e eliminar tudo o resto”. “É um pouco mais difícil ter a certeza de que tudo está perfeito num vídeo”. 

Este não é o primeiro, nem tão pouco o único estudo de investigação sobre o tema. E não será certamente o último.

Um estudo anterior da mesma autora, publicado em 2022, no “Computers in Human Behavior” já havia evidenciado que a exposição a imagens de maternidade perfeita e idealizada nas redes sociais, sejam elas dos nossos próprios amigos e familiares ou de mães influencers, pode aumentar a ansiedade, a inveja e o sentimento de comparação e aumentar a pressão sobre a nossa saúde mental.

Por outras palavras, este estudo revelou que há um efeito tóxico dos conteúdos criados pelas momfluencers na nossa saúde mental.

Nem sempre foi assim. Mas com a facilidade, alcance e rapidez com que hoje é possível publicar conteúdos em redes sociais como o Instagram ou o Tik Tok, é difícil (senão mesmo impossível) evitar ver as imagens e ler as histórias de outras mães sempre bem-dispostas, cheias de energia, que conseguem dar conta de tudo. Sempre com casa limpa e arrumada, com tempo para cuidar de si, para realizar atividades XPTO ao ar livre com os seus filhos todos os dias, filhos esses sempre felizes e bem-comportados, vestidos exclusivamente com roupas de material orgânico e calçado barefoot

E automaticamente lá vem a comparação e o sentimento de “não sou boa mãe” ou “não sou suficientemente boa”. 

As redes sociais transformaram a maneira como a maternidade é retratada. Porque agora qualquer pessoa pode publicar conteúdo sobre maternidade. E os efeitos de todas essas publicações aparentemente “perfeitas” podem ser prejudiciais. 

“Retratos idealizados da maternidade não são novidade nos media“, referiu na altura Ciera Kirkpatrick, PhD, professora assistente da Universidade de Nebraska-Lincoln (EUA), uma das autoras do estudo. “Nos anos 70 e 80, os retratos idealizados da maternidade estavam em todas as revistas na forma de ‘Perfis de Mães Celebridades’. Mas agora, eles estão em todas as redes sociais. E enquanto eram as celebridades que criavam todo o glamour da maternidade nessas revistas, hoje em dia qualquer um pode construir esse glamour na maternidade por causa das redes sociais.” 

Instagram vs. realidade 

A motivação para este tópico de investigação surgiu pela própria experiência pessoal vivida pela investigadora Ciera Kirkpatrick quando, enquanto mãe de primeira viagem, se começou a aperceber que estava ela própria a comparar-se com retratos de maternidade das redes sociais e que essa comparação lhe estava a trazer sentimentos negativos. 

Neste estudo, foi pedido às mães participantes que vissem 20 publicações do Instagram: 10 publicações retiradas de contas de mães influencers e outras 10 de contas de mães comuns. 

Metade das publicações representava a maternidade idealizada, enquanto a outra metade representava uma versão mais real da maternidade (com “representações mais autênticas da maternidade que incluíam menção às dificuldades associadas à parentalidade”). 

Após reverem as publicações, as mães que participaram no estudo foram solicitadas a avaliar os seus sentimentos de comparação social, semelhança percebida, inveja e ansiedade.  

E os resultados mostraram que, quando estas mães eram expostas a retratos idealizados da maternidade, elas apresentavam níveis mais altos de inveja e ansiedade. 

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“E, curiosamente, não importava se o retrato idealizado vinha de uma influencer ou de um perfil normal do Instagram”, mencionou a Dra. Kirkpatrick. 

“O conteúdo idealizado de qualquer uma dessas fontes teve o mesmo efeito negativo – indicando que qualquer pessoa que publique conteúdo idealizado sobre maternidade como este, pode ter efeitos prejudiciais sobre as novas mães. Não é apenas um problema com influencers.”

Vulnerabilidade no pós-parto 

Este cenário é particularmente relevante e delicado durante a fase do pós-parto.  

O motivo? Porque se trata de uma fase onde nos tornamos especialmente vulneráveis e sensíveis.  

Isto coloca as mães numa posição em que podem mais facilmente ser suscetíveis a sentimentos de inveja e ansiedade. 

A forma como estamos a viver a maternidade atualmente nas sociedades contemporâneas, nos países desenvolvidos, empurra-nos muitas vezes para as redes sociais.  

Desde logo, para suprir necessidades sociais das mães que se sentem desconectadas do mundo fora de casa, já que se trata de uma fase tipicamente marcada pelo isolamento e solidão. 

Sabemos que as redes sociais oferecem oportunidades de conexão e amizade num momento em que as mães podem sentir que perderam a sua vida social que tinham até ao momento em que se tornaram mães.  

Mas isso tem um preço: as comparações e a baixa auto-estima que provavelmente resultarão da visualização de milhares de imagens encenadas e idealizadas, que os autores do estudo definiram como “perfeitas ou melhores do que a realidade”.  

Ver fotos de mães esplendorosas e felizes com filhos incríveis e felizes pode fazer-nos sentir que não estamos à altura. 

A atração da publicação perfeita 

A questão que se coloca agora é: se sabemos que publicar conteúdos idealizados podem provocar sentimentos negativos noutras pessoas, por que motivo o fazemos?  

Para a Dra. Kirkpatrick, “é tão fácil e tentador fazer isso”. “Como humanos, queremos mostrar as partes boas e felizes das nossas vidas”. 

É tudo uma questão de encontrar o equilíbrio certo – quer em termos de quem seguimos, quer em termos do que publicamos. 

“Acho importante que, pelo meio das publicações tendenciosas e positivas, também retratemos a realidade da maternidade, porque falar sobre as dificuldades pode ajudar as mães [especialmente as novas mães] a sentirem-se menos sozinhas no que estão a vivenciar e a sentir”, acrescenta a Dra. Kirkpatrick. “Ser mãe já é difícil o suficiente – não precisamos tornar isso mais difícil umas para as outras!” 

Reflexão pessoal: Maternidade perfeita vs “maternidade pseudo-real”

Gostaria ainda de acrescentar uma questão final para reflexão. 

Nota por favor que esta reflexão final é estritamente pessoal, sem valor científico.

A sensação que tenho tido é que há uma crescente preocupação pela publicação de conteúdos aparentemente mais autênticos e reais nos perfis de muitas mães influencers (#maternidadereal). 

Mas (e aqui é mesmo uma pergunta introspectiva, provocadora e muito pessoal) será que transmitir uma mensagem mais autêntica e real é mais benéfico para a saúde mental das mães? Na minha opinião diria que depende! 

Mais eficaz a criar ligação e envolvimento parece-me que é, sem dúvida! Porque inevitavelmente, ao transmitirem uma realidade mais próxima à nossa, vamos criar laços ao entrarmos no dia a dia dessa pessoa, ao acompanhar o crescimento do seu bebé (muitas vezes da idade do nosso), vamos sentir identificação em muitos momentos que são vividos de forma semelhante (e às vezes até em simultâneo). 

Mas existem sempre várias versões e momentos do dia. Por mais real que possa parecer, são sempre fragmentos do dia. Quem publica escolhe invariavelmente e criteriosamente, o que quer e o que não quer publicar. 

E em muitos casos, por mais que se esforcem por publicar sobre problemas reais que estão a ter, desabafos e dificuldades, e o façam com menos filtros e de forma mais genuína e autêntica, falam de um lugar de privilégio. 

Fazer massagens com frequência e durante o dia de trabalho, tratamentos de pele, rotinas de skincare, ter 10 pares de calçado barefoot para o filho, várias viagens anuais em família para fora do país… não está ao alcance da grande maioria da população.

E se nós, enquanto consumidores desses conteúdos, não temos isso em consideração, então diria que pode ser potencialmente mais perigoso, porque sendo um cenário mais real, vai automaticamente assemelhar-se mais à nossa vida e assim, a tentação para a comparação será, quanto a mim, ainda maior. 

Daí a minha resposta: depende! Mas nós somos co-responsáveis neste processo. Porque independentemente de tudo o resto, cabe-nos a nós saber selecionar quem queremos e não queremos seguir.

Fica a reflexão… (uma vez mais, apenas pessoal).

Desafio

Então em jeito de conclusão lanço aqui um repto a todos e todas que chegaram até ao final deste artigo! 

Para quem gosta de publicar, com mais ou menos frequência, nas redes sociais, vamos repensar as publicações que fazemos e, mesmo que apenas ocasionalmente, falar sobre algum problema, desafio, stress ou dificuldade que estamos a ter ou tivemos na nossa experiência parental! Alinhas?

Fontes

Kirkpatrick CE, Lee S. Comparisons to picture-perfect motherhood: How Instagram’s idealized portrayals of motherhood affect new mothers’ well-being. Computers in Human Behavior. 2022 Dec 1;137:107417. 

Kirkpatrick, C. E., & Lee, S. (2024). Idealized Motherhood on Social Media: Effects of Mothers’ Social Comparison Orientation and Self-Esteem on Motherhood Social Comparisons. Journal of Broadcasting & Electronic Media, 68(2), 284–304. https://doi.org/10.1080/08838151.2024.2324152 

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