Parentalidade e carreira: será o impacto igual entre pais e mães? Este estudo de 2024 responde a essa questão

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Fundadora do projeto Mães às Claras

Parentalidade e carreira: será igual para pais e mães?

Um estudo publicado este ano pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que pretendia analisar o impacto da parentalidade no bem-estar e na vida profissional e pessoal de mães e pais, revelou que a maternidade tem um impacto negativo significativo na carreira e rendimentos das mulheres, contribuindo para acentuar as assimetrias de género.

Sobre o projeto MERIT

O projeto MERIT – MothER Income InequaliTy, conforme explica a coordenadora do projeto Teresa Leão, surgiu “na tentativa de explicar parte da desigualdade de género nos rendimentos e no bem-estar de mulheres e homens. Sabemos que os papéis de género tendem a manter-se, e a evidenciar-se durante a parentalidade, mas quisemos estimar o impacto do nascimento de um filho na vida profissional e pessoal das mulheres e homens, de forma a melhor perceber a origem das desigualdades de género e como as podemos mitigar”.

Em Portugal, em 2021, as mulheres auferiam menos 12% do que os homens, em média, por hora. No entanto, trabalhavam mais 10 horas do que os homens por semana, menos duas horas de forma remunerada, mas mais 12 horas não remuneradas. Apesar das visões de género ainda tradicionais, nas últimas décadas, Portugal, tem vindo a reforçar o apoio à parentalidade e à igualdade de género, com licenças parentais disponíveis para ambos os pais e alargamento da oferta pública de serviços de apoio à infância.

Prémio pela parentalidade vs. Penalização pela maternidade, será assim?

Muito se fala sobre a penalização pela maternidade (motherhood penalty) e do contributo da maternidade no aprofundamento das assimetrias de género, nomeadamente ao nível da progressão das carreiras e aumentos salariais.

O que nos diz este estudo sobre esta questão? Será que nos dá alguma pista para a existência de algum tipo de enviesamento na progressão das carreiras, quer para homens (prémio pela parentalidade), quer para mulheres (penalização pela maternidade)?

Vejamos o que nos diz então esta investigação.

Este estudo, que combinou dados quantitativos e qualitativos de diversos países europeus, incluindo Portugal, concluiu que as mulheres europeias sofrem uma queda média de 29% nos seus rendimentos após se tornarem mães. Esta penalização está essencialmente relacionada com a saída de algumas mulheres do mercado de trabalho após se tornarem mães e, noutros casos, com uma redução do número de horas de trabalho semanais, nomeadamente com a negociação para um modelo de trabalho a tempo parcial. Em contraste, os homens europeus experienciam um aumento médio de 12%.

Por outras palavras, estes dados parecem apoiar a existência de um prémio pela paternidade e de uma penalização pela maternidade na Europa.

Ler também: Licença parental não chega: 4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais

Mas e em Portugal? Será que o mesmo se verifica?

Em Portugal, e tal como na Europa, os homens que se tornaram pais experienciaram um prémio relacionado com a parentalidade de 15%. No entanto, curiosamente, no caso das mulheres que se tornaram mães, o comportamento em Portugal é diferente do que se verifica na Europa. Isto porque, enquanto as mulheres europeias viram o seu rendimento cair 29%, no caso das mulheres portuguesas não se registou uma variação significativa de rendimentos (de uma forma geral, mantiveram a remuneração que tinham antes de se terem tornado mães). Significa isto que, ao contrário do registado na Europa, em Portugal a penalização pela maternidade não ficou evidenciada neste estudo.

Numa primeira reação, estes dados parecem ser algo surpreendentes. Mas as razões dadas para a manutenção da atividade profissional da mulher a tempo inteiro (e consequentemente do seu rendimento) prendem-se com o dever de responder às necessidades financeiras da família e à existência de um mercado de trabalho pouco flexível, que proporciona pouco acesso a contratos a tempo parcial.

Efetivamente, face aos baixos salários em Portugal, a esmagadora maioria dos casais simplesmente não pode abdicar de deixar cair um dos salários e, portanto, com maior ou menor dificuldade, as mulheres continuam a trabalhar, depois de terminada a sua licença de maternidade, e a trazer o seu salário por inteiro para casa.

Além disso, sabemos que o mercado de trabalho em Portugal é tipicamente inflexível e culturalmente é uma prática muito pouco habitual a negociação de horários de trabalho mais flexíveis, nomeadamente em regime de part-time. O que contrasta com a realidade de outros países europeus, onde a negociação para horários de trabalho a tempo parcial é uma prática mais comum.

Se ao nível do impacto nos rendimentos, não existem, em Portugal, grandes assimetrias entre géneros, será que o mesmo é válido para o impacto na vida pessoal e na saúde e bem-estar?

Bom, isso leva-nos para outras conclusões importantes que este estudo nos trouxe, nomeadamente ao nível da carga relacionada com as tarefas domésticas e o cuidar nas diferentes fases da vida familiar, e o conflito entre a vida pessoal e profissional.

Vejamos os pontos mais relevantes evidenciados neste estudo relativamente a estas matérias.

Impacto em Portugal

Se colocarmos a lente de análise apenas sobre o impacto da parentalidade em Portugal, este estudo revelou que, embora o impacto nos rendimentos das mulheres não tenha sido tão acentuado como na média europeia, existem alguns fatores adicionais que contribuem fortemente para uma carga física e mental mais pesada para as mulheres do que para os homens, ajudando a perpetuar as assimetrias de género tradicionalmente existentes:

Divisão desigual das tarefas domésticas ou de apoio aos filhos

As mulheres continuam a assumir a maior parte das responsabilidades familiares, mesmo quando trabalham em tempo integral. Consequências?  Maior dificuldade na conciliação entre trabalho-família e consequente limitação à progressão da carreira.

Saúde mental

Em ambos os géneros, a saúde autorreportada parece piorar após a parentalidade. No entanto, se alguns homens entrevistados reportaram que a paternidade se alia a menos tempo para realizar atividade física, menos cuidado com a alimentação e aumento de peso, as mulheres entrevistadas reportaram sentimentos negativos, como culpa, pela sensação de estarem a falhar com o papel que era delas esperado e necessário para o seu filho, e ansiedade na gestão das exigências da esfera familiar e profissional. “Temos que ser mães como se não fossemos profissionais e temos que ser profissionais como se não fossemos mães”, conforme mencionou uma das mães entrevistadas no estudo.

Impacto da pandemia

Apesar de ter sido algo mais delimitado no tempo, importa destacar também o efeito da pandemia nas famílias. A este nível, e conforme o estudo indica, a pandemia agravou a desigualdade, com as mulheres a experienciarem uma sobrecarga de trabalho remunerado e não remunerado.

O que podemos, individualmente e enquanto sociedade fazer para suavizar estas diferenças sobre o impacto que a parentalidade traz às carreiras de pais e mães?

O estudo apresenta alguns insights e recomendações muito interessantes.

Recomendações

O estudo recomenda medidas para mitigar o impacto da parentalidade na vida profissional e bem-estar das mulheres:

1. Promover a discussão de papéis de género e direitos das mulheres e dos homens

Os papéis de género tradicionais continuam a influenciar a forma como as mulheres e os homens vivem a parentalidade. A discussão destes papéis, desde idades jovens, poderá permitir que as futuras gerações de adultos possam optar com maior liberdade e consciência pelos papéis que desejam assumir ao longo da vida, especialmente após o nascimento dos filhos. Esta discussão deve ser tida no meio escolar e universitário, no meio laboral e na comunidade, de forma alargada.

Mesmo em países mais progressistas, as perspetivas tradicionais de género podem influenciar o acesso dos pais às licenças de parentalidade, a dispensa para aleitação ou a outras medidas de flexibilização do trabalho. Isto porque o cuidado com os filhos, particularmente na primeira infância, continua a ser ainda muito percecionado como um dever e responsabilidade das mães. É assim essencial combater estereótipos de género e promover a igualdade no ambiente de trabalho, familiar, escolar e social.

2. Disseminar informação sobre as medidas existentes para apoio à parentalidade e a quem se destinam

Existe um notório desconhecimento sobre as medidas políticas que promovem o apoio à parentalidade – como as licenças parentais e a dispensa para amamentação e aleitação – especialmente pelos homens que se tornam pais. Assim, mais do que implementar políticas de licença parental igualitárias e flexíveis, que incentivem a partilha equitativa entre homens e mulheres, é fundamental garantir uma maior transparência na divulgação das políticas de apoio parental existentes e maior facilidade no seu acesso e ativação.

Esta informação deve ser disponibilizada de forma clara e de fácil compreensão, dirigida e atempada aos futuros pais e mães. Isto porque o desconhecimento dos próprios pais da possibilidade de acesso a algumas das medidas de apoio à parentalidade pode contribuir para o seu menor usufruto, como aparentemente tem vindo a acontecer.

3. Assegurar que ambos os progenitores, independentemente do género, conseguem acionar as medidas de apoio à parentalidade

Os pais e as mães devem estar conscientes dos seus direitos e reivindicá-los. As empresas, equipas de recursos humanos e equipas de segurança e apoio social, governamentais e não-governamentais, devem ser informadas e estar permanentemente atualizadas sobre a existência destas medidas e como podem ser acionadas pelas mães e pais, assim como sobre a obrigatoriedade da sua disponibilização por parte da entidade patronal.

Deve ainda ser assegurado apoio institucional aos pais e às mães no caso de recusa das entidades patronais em dar acesso às medidas de apoio à parentalidade legalmente definidas.

4. Promover uma discussão alargada sobre as medidas que melhoram o bem-estar da família e dos trabalhadores e reduzem as desigualdades de género

A título de exemplo, a extensão do período de licença parental inicial em um mês, para seis meses, ao invés de cinco, com remuneração a 100% poderá facilitar o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Também a efetiva implementação de maior flexibilidade nas condições de trabalho, seja nos termos já explícitos no Código de Trabalho ou de forma mais alargada, poderá permitir que tanto as mães como os pais possam optar por alterar a carga laboral, horários de trabalho ou adotar regimes de teletrabalho de forma a responder melhor às necessidades familiares.

Por outro lado, investir em serviços públicos de apoio à infância acessíveis e de qualidade podem também promover uma maior equidade de género e melhorar o bem-estar das famílias. A este nível, Portugal tem vindo a realizar esforços visíveis, nomeadamente com a implementação do programa Creche Feliz, ainda que seja um recurso que, neste momento, esteja muito longe de conseguir cobrir todas as necessidades por falta de vagas na oferta pública (e privada) dos serviços de apoio à infância.

5. Monitorizar e avaliar os dados referentes à utilização destas medidas

Monitorizar e avaliar a utilização e o efeito destas medidas, de forma a informar sobre as alterações necessárias para otimizar a sua efetividade no que concerne à redução do impacto das desigualdades no rendimento, percurso profissional e no bem-estar dos pais e mães.

Conclusão

Em conclusão, o projeto MERIT traz dados atuais e muito relevantes, que permitem identificar pontos comuns que determinam o impacto da parentalidade nos rendimentos, na vida profissional e na saúde e bem-estar das mulheres e homens portugueses, ao mesmo tempo que promove uma comparação com outros países europeus.

Um projeto que é muito bem-vindo e que dá insights sem dúvida alguma muito valiosos para caminharmos todos, enquanto sociedade, para uma realidade mais justa, equitativa, onde a maternidade deixe de ser vista como um obstáculo real ao desenvolvimento profissional e pessoal das mulheres.

Se tiveres curiosidade em conhecer esta investigação de forma mais detalhada, convido-te a acederes ao Livro Branco que a equipa MERIT desenvolveu e ainda à sua página de Instagram, que reúne uma série de conteúdos mais dinâmicos, como vídeos, que podes e deves (se te fizer sentido) partilhar nas tuas redes sociais!

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