Licença parental não chega: 4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais

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É preciso ver além da licença parental

Os pais estão exaustos e a sociedade, Estado e empresas precisam de fazer mais para os apoiar, desde o nascimento dos seus filhos e ao longo de toda a infância. 

Vamos ser realistas: a licença parental não é suficiente. A maternidade não começa e termina durante a licença. Nem tão pouco se estende para os primeiros meses após o regresso ao trabalho. É uma jornada contínua, que percorre toda a infância e que envolve constantes e diferentes desafios à medida que a criança se desenvolve. 

Enquanto apenas nos focarmos nas licenças parentais (que já são em si demasiado curtas), no pós-parto e no regresso imediato ao trabalho, estamos, todos nós enquanto sociedade, e particularmente os empregadores, a falhar com os pais e a pressionar a saída precoce de muitas mulheres do mercado de trabalho (muitas delas, com elevado potencial e know-how). 

Já é tempo de assumirmos com coragem que é preciso repensar e reavaliar os procedimentos atuais das empresas em matéria de benefícios aos colaboradores que são pais e tornar o ambiente das empresas mais family-friendly e as carreiras mais conciliáveis com a parentalidade. 

Mas porquê pensar além do primeiro ano de vida do bebé? Por vários motivos:

  • as crianças ficam doentes em todas as idades e não apenas no primeiro ou segundo ano;
  • vivemos num país onde (felizmente!) a creche passou a ser universalmente gratuita, mas não há vagas… por isso muitos pais vêm-se obrigados a colocar o seu filho numa creche não aderente ao programa “Creche Feliz” e, com isso, a terem de pagar uma mensalidade brutal (já para não falar dos pais que não conseguem vaga alguma); 
  • muitas creches não têm horário alargado e obrigam a uma retirada da criança num horário muitas vezes incompatível com o horário laboral;
  • constantes greves e consequentes encerramentos de escolas;
  • sucessivas interrupções letivas…

Todos nós sabemos disto, particularmente os pais que vivem e sentem diariamente na pele estas incompatibilidades.

Todas estas questões contribuem diretamente para as desvantagens reais que os pais, e de um modo particular as mães, enfrentam no local de trabalho, levando a que estas se afastem frequentemente da vida profissional temporária ou mesmo definitivamente.

Sim, bem sei que os homens têm vindo progressivamente a assumir responsabilidades que outrora eram exclusivamente das mães, mas o longo caminho que ainda temos a percorrer nesta matéria é inegável quando olhamos para o que os números nos dizem… 

Infelizmente não são muitos os estudos aqui em Portugal sobre o impacto dos filhos nas carreiras das mulheres, mas lá vão surgindo alguns de quando em vez. Existe um que foi recentemente divulgado, que me despertou particular interesse e que incide sobre vários pontos nucleares, nomeadamente:

  • políticas de apoio à parentalidade na Europa;
  • impacto da parentalidade na vida profissional e saúde;
  • conciliação da vida profissional e familiar ao longo da vida;
  • como a parentalidade afeta o bem-estar pessoal e profissional. 

Falo sobre o projeto MERIT – MothER Income InequaliTy. Brevemente dedicarei um artigo para falar exclusivamente sobre os seus resultados.

Olhando agora para a realidade de outros países, de acordo com um estudo de 2022 do National Bureau of Economic Research, citado pela plataforma americana Motherly, “a maternidade provoca uma redução do emprego feminino em 25% e dos rendimentos femininos em 33%, em relação aos homens”.

Também muito recentemente, a consultora de recrutamento Hays alerta que a saúde mental das mulheres que são mães não é apenas uma preocupação social, deve ser “uma prioridade do mundo empresarial”. Para quem tem de conjugar a carreira com o cuidado dos filhos, os níveis de stress estão a disparar, segundo é mencionado nessa mesma publicação.

É verdade que algumas mudanças têm vindo gradualmente a acontecer, quer pela via de políticas públicas (como o incentivo a uma maior partilha das licenças parentais entre pai e mãe), quer pelos benefícios e maior flexibilidade que algumas empresas, essencialmente empresas multinacionais e empresas portuguesas de maior dimensão, têm vindo a adotar (e aqui a pandemia foi uma grande impulsionadora e aceleradora desse processo).

Não obstante, os empregadores têm a capacidade e a responsabilidade de fazer mais. Os empregadores podem apoiar as mães e os pais de diversas formas. Isto resultaria em famílias mais felizes e em colaboradores mais empenhados, mais produtivos, menos ressentidos e menos esgotados.

4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais:

1. Implementar pack de benefícios de apoio à família

É verdade que, em Portugal, com o surgimento do programa “Creche Feliz”, em teoria, o acesso ao ensino pré-escolar passou a ser universalmente gratuito para todas as crianças, mas apenas dentro da rede pública de creches ou em instituições privadas aderentes ao programa. Mas na prática bem sabemos a enorme escassez de vagas que existe atualmente no ensino pré-escolar, que impossibilita o usufruto deste benefício público a muitos pais. E nestes casos, a alternativa que têm é mesmo abrir os cordões à bolsa e desembolsar algo como 300€ a 500€ por mês de mensalidade numa creche não aderente. 

Para os pais que estão nesta situação, a atribuição de cheques-infância possibilitaria o acesso aos cuidados infantis a um preço muito mais acessível. 

Além disso, benefícios como a concessão de licenças parentais pagas adicionais, financiamento total ou parcial de consultas e sessões de terapia de especialidades como psicoterapia, sono do bebé, consultoria e mentoria de maternidade e carreira, e gestão de tempo, poderiam ser uma enorme mais-valia e uma ajuda preciosa para nivelar as condições de igualdade para os pais trabalhadores. 

Introduzir este tipo de opções como parte do pacote de benefícios de um funcionário é uma forma concreta de demonstrar que o seu local de trabalho valoriza a equidade e a inclusão. Se os empregadores pretendem verdadeiramente uma força de trabalho diversificada e inclusiva, devem oferecer soluções que atuem diretamente sobre as dores dos pais trabalhadores. 

Em vez de utilizarem o plafond de benefícios em soluções como o pagamento da mensalidade do ginásio, as empresas poderiam, com esse mesmo valor de plafond, abrir o leque de possibilidades aos seus funcionários pais, para que estes possam usufruir de outro tipo de serviços que provavelmente serão de muito maior utilidade para este público.

2. Desenhar práticas de recursos humanos amigas da família

Durante muitos anos, o conceito que se defendia e pelo qual se lutava era o de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. No entanto, essa definição tem vindo a ser desacreditada, desde logo pelo facto de não ser possível separar totalmente as várias esferas da vida de uma pessoa. A vida não é uma equação matemática que possa ser gerida assim, de forma científica. Trata-se de um conceito unicamente teórico, que não é de todo realista e que tem vindo a suscitar sentimentos de stress, ansiedade e esgotamento. 

Sabemos que é muito difícil separar as águas entre o lado pessoal e profissional. Impor limites e calendários rígidos e perfeitamente separados não é realista. Não é possível separar o indivíduo do profissional, porque a pessoa é a mesma. Com as suas preocupações, doenças, necessidades e ambições. Os vários compromissos de uma mãe trabalhadora não existem isoladamente. 

Neste sentido, os líderes devem defender um nível de integração que permita incluir elementos pessoais e profissionais, contribuindo para uma maior coordenação das responsabilidades dos colaboradores. 

Horários de trabalho flexíveis, dias de teletrabalho e espaços reservados aos filhos dos funcionários no próprio local de trabalho são apenas algumas medidas que podem ser implementadas pelas organizações com a finalidade de se tornarem empresas mais amigas da família.

De acordo com o artigo “As mulheres e o labirinto da liderança” de Alice H. Eagly e Linda L. Carli, um estudo que envolveu 72 grandes empresas americanas mostrou que práticas de recursos humanos amigas das famílias, estabelecidas em 1994, aumentaram a proporção de mulheres em posições de gestão de topo durante os 5 anos seguintes.

Ao aproximar o lado pessoal do profissional e vice-versa, isto fará com que ambos possam coexistir numa só realidade, em vez de entrarem em competição direta. 

Alguns empregadores demonstram ter muita resistência a este tipo de medidas, pelo receio de serem contraproducentes e resultarem numa possível perda de produtividade. 

No entanto, funcionários insatisfeitos e desmotivados com o trabalho, com a cultura da empresa e com a sua falta de flexibilidade, terão muitas mais dificuldades na conciliação entre a vida familiar e profissional (especialmente quando têm filhos), maior tendência para o absentismo e, com muito maior probabilidade, apresentarão problemas de saúde mental, como depressão e burnout. E isso sim, provocará uma forte perda de produtividade. 

Quando os funcionários têm a possibilidade de trabalhar de acordo com os seus próprios horários e rotinas, eles são mais produtivos, criativos e comprometidos com o negócio.

3. Construir uma rede de apoio para suporte adicional aos pais

Para permitir que os pais tenham um melhor desempenho no trabalho, os empregadores devem apoiar os próprios trabalhadores e não apenas os seus filhos. Um exemplo são os grupos de funcionários para pais.

Promover e disponibilizar um espaço onde os funcionários pais possam partilhar as suas preocupações e desafios, criando conexões com outros colegas que enfrentam obstáculos semelhantes. Os funcionários podem-se ajudar uns aos outros neste desafio de conciliação entre casa e trabalho se tiverem espaço e tempo para o fazer.

4. Nutrir uma cultura de empatia e apoio aos pais

Fomentar um ambiente de empatia e solidariedade para com os pais pode fazer muita diferença, dando-lhes ânimo e coragem. Enfrentar um dia de trabalho após uma noite sem dormir não é fácil, e mais difícil ainda é viver num constante estado de privação de sono, como tantas vezes acontece com os pais que trabalham.

Receber da empresa e dos seus colegas uma palavra de carinho e conforto, apoio no desenvolvimento das suas tarefas profissionais e conceder mais tempo a estes colaboradores para o desenvolvimento dos seus objetivos e para provarem que merecem uma promoção, são alguns exemplos que podem ser implementados pelas organizações, com vista à retenção do seu talento feminino após a maternidade. 

Criar um plano de reintegração para as mulheres que regressam das suas licenças parentais, pelo menos com uma reunião de gestão de expectativas entre empresa e colaboradora, onde esta poderia ter ali um espaço para ser ouvida e considerada, e eventualmente partilhar as suas motivações, funções que gostaria de exercer e negociar condições de flexibilidade. 

Num outro sentido, caso a empresa tenha perdido algumas das suas melhores profissionais devido a fatores externos relacionados com a maternidade e a dinâmica familiar, por que não manter a sua porta aberta, dando-lhes a oportunidade de regressarem assim que vejam alteradas as circunstâncias que as estão a impedir de prosseguir a sua carreira na empresa?

O momento é agora 

A cultura e dinâmica típica de escritório foi projetada por homens, para homens. Quer isto dizer que os empregos foram estruturados de modo a acomodar os ciclos de vida de homens com esposas que não têm carreiras, ou seja, para homens sem responsabilidades familiares. Isto já não descreve o trabalhador atual, mas a cultura organizacional ficou para trás na sua evolução. 

De acordo com um artigo publicado pela consultora Hays, “este é o momento exacto para fazer com que os locais de trabalho finalmente funcionem para as mulheres”. 

As empresas têm agora a oportunidade de fazer a diferença nas carreiras das mães trabalhadoras, implementando políticas e processos há muito esperados, que ajudarão certamente a atenuar os níveis de exaustão, stress e ansiedade, ajudando à retenção dos seus talentos femininos e a fazer com que estes prosperem. 

Os líderes que aproveitarem esta oportunidade irão provavelmente beneficiar de todos os pontos fortes que a maternidade traz consigo para a esfera profissional dos pais: gestão criteriosa e consciente do tempo; agilidade; capacidade de tomada de decisão rápida e organizada; criatividade; maior capacidade de multitasking; grande orientação para objetivos; maturidade e responsabilidade; grande capacidade de gerir situações de conflito; gestão emocional; empatia. 

A maternidade não começa e termina durante a licença parental. Vamos dar às mães o que elas realmente querem (e precisam): benefícios abrangentes de apoio parental. Este é o momento, esta é a hora de uma mudança cultural há muito esperada na forma como o local de trabalho vê e trata os pais. 

Os empregadores podem e devem liderar este processo!

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2 comentários em “Licença parental não chega: 4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais”

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