Fundadora do projeto Mães às Claras
É impossível descrever o quanto a carga de trabalho (e principalmente a carga mental) aumenta quando as crianças entram na equação. E o mais curioso é que uma grande parte desse trabalho de Ser Mãe é totalmente invisível.
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Carga mental das mães
Existem duas expressões mundialmente famosas no mundo da maternidade: carga mental e culpa de mãe.
Duas gémeas falsas que teimosamente vêm sempre como brinde extra no pack de nascimento.
Sobre as duas haveria imenso para falar, mas hoje vou-me debruçar apenas sobre a primeira (embora elas se adorem e caminhem sempre bem juntinhas, de mãos dadas!)
Quando pensamos num jovem casal moderno da sociedade ocidental, a imagem padrão anda atualmente mais ou menos por aqui: ambos têm uma carreira (ou pelo menos um trabalho), que os obriga a gerir os seus papéis e responsabilidades pessoais, familiares e profissionais; contribuem ambos financeiramente para o agregado familiar e, em grande parte dos casos, há um esforço visível pela tentativa de terem uma divisão das responsabilidades domésticas relativamente equilibrada.
Funções que outrora eram linhas vermelhas para os homens, como cozinhar e limpar a casa, são agora frequentemente realizadas por eles.
Há um aparente esforço para uma relação mais igualitária.
Até que… até que surgem os filhos!
É impossível descrever o quanto a carga de trabalho (e principalmente a carga mental) aumenta quando as crianças entram na equação. E o mais curioso é que uma grande parte desse trabalho de Ser Mãe é totalmente invisível.
Invisível ao ponto de até nós mesmas (as que o realizam!) nem sempre se aperceberem conscientemente que ele existe e que o fazem!
A verdade é que, mesmo com parceiros mais prestativos, as mães fazem a maior parte do trabalho de planear, antecipar, preparar e pensar “nos bastidores”, ou por outras palavras, aquilo a que se chama de “trabalho cognitivo”.
Tal como é mencionado neste artigo, mesmo quando é o pai que vai executar determinada tarefa, quantas vezes não há uma mãe magicamente a trabalhar nos bastidores, para gerir as coisas, planear e garantir que o pai consegue realizar essa mesma tarefa naquele momento?
Frequentemente é a mãe quem detém todo o conhecimento dos bastidores sobre todas as coisas envolvidas na criação de um filho.
Isso geralmente é chamado de “carga mental”.
“A carga mental” é pesada e, na maioria das famílias, é carregada pela mãe.
Mas a “carga mental” não é apenas quantificada pela carga de trabalho efetivamente executada. É muito mais do que uma lista interminável de tarefas.
É muito mais abrangente. Aplica-se a quase todos os aspetos da criação dos filhos e da gestão de uma casa. TUDO.
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A incessante antecipação das necessidades de toda as pessoas lá de casa, a pesquisa e seleção de opções para as satisfazer, o planeamento, a organização, o agendamento e tudo o mais que possa envolver a gestão de uma casa – aquilo que atualmente é designado de “trabalho cognitivo” – deixa uma mãe completamente esgotada.
Estás a tentar entrar num estado de alta concentração para realizares uma determinada tarefa profissional, e a tua mente começa logo a saltar com alertas, tipo pipocas a estourar: “será que ainda tenho espinafres para pôr na sopa?”; “vai ser melhor comprar mais fraldas enquanto estão em promoção, apesar de ainda ter um bom stock delas em casa?”; “para quanto tempo vai dar este stock de fraldas? Será que devo comprar do mesmo tamanho ou do tamanho a seguir?”; “Tenho de lhe cortar as unhas antes que magoe os coleguinhas na creche!”.
Darby Saxbe, professora de Psicologia da University of Southern California argumenta que “A quantidade de trabalho cognitivo dispara depois do nascimento dos filhos”. Às vezes, os homens lidam com muitas dessas tarefas e podem enfrentar sentimentos semelhantes, mas “normalmente são as mulheres que assumem a maior parte do fardo nos relacionamentos heterossexuais”.
Mas por que é tão frequentemente a mãe que carrega a carga mental? Talvez tenhamos uma tendência natural para sermos melhores nesse tipo de coisas, relacionadas com o cuidado, a organização e o planeamento, mas os pais são perfeitamente capazes de carregar e assumir essa carga mental na esfera profissional.
Então, se assim é, não poderão eles, mais frequentemente, também carregar parte da carga mental em casa? Certamente que sim.
E por que não o fazem? Provavelmente porque esta questão está ainda muito enraizada na nossa sociedade e cultura. Em boa parte, eles não carregam essa carga mental porque não precisam. Porque alguém sempre fez isso por eles, e (em muitas situações) pode mesmo ser completamente invisível para eles.
Progresso estagnado: de onde vimos, onde estamos e para onde vamos
De acordo com um artigo publicado no “The Washington Post“, à medida que as mulheres começaram a ingressar no mercado de trabalho de forma mais expressiva, em torno da década de 1970, a dinâmica em casa também começou a mudar, embora mais lentamente, para se ir adaptando à nova realidade.
Ao longo das últimas décadas, tem sido notório o esforço gradual dos homens em assumir uma maior fatia das tarefas domésticas, como limpar, fazer compras, cozinhar e participar nas rotinas da noite com as crianças.
De facto, alguns investigadores descobriram que as mulheres que trabalham fora de casa passaram de fazer cerca de 4x mais tarefas de cuidados do que os homens na década de 1960, para cerca de 2x, neste século. Também a percentagem de trabalho doméstico, feito pelas mulheres, registou uma redução significativa, durante esse mesmo período.
No entanto, nos últimos anos, este progresso entrou numa fase de aparente estagnação e a desigualdade continua a persistir em muitos domínios. Por exemplo, as mulheres ainda dedicam mais tempo ao trabalho doméstico, enquanto os homens passam mais tempo em trabalho remunerado e em lazer. E o trabalho mental de gerir a casa permaneceu no domínio das mulheres.
Allison Daminger, professora assistente de sociologia da University of Wisconsin at Madison refere que “O trabalho cognitivo invisível que acontece nos bastidores tem registado uma mudança especialmente lenta”.
As mulheres são, de facto, CEOs da suas famílias, mas o seu trabalho de gestão – planear refeições, atualizar listas de compras, comunicar com as escolas e educadoras das crianças e organizar passeios em família – em grande parte, não é reconhecido e valorizado. E elas estão exaustas e frustradas por causa disso.
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Num estudo recente com 322 mães de crianças pequenas, Saxbe e as suas colegas descobriram que, mais do que a divisão do trabalho “físico”, onde se verificava uma maior divergência e desigualdade era sobre o trabalho cognitivo, o tal que muito contribui para a carga mental.
Os exemplos são imensos e do quotidiano de todas as famílias.
Jami Ingledue, colunista do BEHIND DOMESTIC LINES da revista The Wild Word, revela, neste artigo, alguns exemplos concretos do que significa a “carga mental” de uma mãe:
Brinquedos e roupa
- Decidir que brinquedos são adequados à sua fase de desenvolvimento;
- Que destino dar às coisas que estamos a despachar: Doar? Deitar ao lixo? Dar a outra criança da família?;
- Perceber o que nosso filho gosta agora ou poderá gostar no futuro, para antecipar o que podemos retirar e o que devemos manter;
- Qual o melhor esquema de organização dos brinquedos em casa?
- Definir o cantinho para cada tipo de brinquedos;
- Como e quando fazer rotação aos brinquedos;
- Seria interessante adquirir algum novo brinquedo ou livro para estimular determinada atividade ou comportamento?
E depois há a saga das roupas… Montanhas de roupa recebidas em segunda mão para lavar, passar, dobrar, organizar… montanhas de roupas que já não servem mais, para doar, devolver, vender em segunda mão…
- Fazer a rotação das roupas;
- Ainda servem?
- São compatíveis com a estação em que estamos?
- Há necessidade de comprar alguma roupa para agora?
- E que roupas temos do tamanho seguinte?
- Vamos precisar de comprar mais desse tamanho a seguir?
- Eles vão usar esta peça alguma vez na vida?
- Qual a melhor forma de organizar as roupas?
- É necessário comprar alguma divisória ou acessório para ajudar a organizar as roupas?
- E claro, não podemos esquecer o calçado. Vamos lá tentar adivinhar que tamanho de calçado estarão eles a usar quando a escola começar!
Presentes
A saga das festinhas de aniversário dos coleguinhas! Não podemos simplesmente aparecer. Temos de comprar um presente.
- Pensar na adequação do presente à idade da criança;
- Perceber o que a criança gosta;
- Se é algo que pode não ser muito bem-visto pelos pais…
E, claro, há depois todos os presentes para os nossos próprios familiares.
- Todos os presentes de Natal;
- Presentes de aniversário dos familiares;
- Aproveitar para comprar coisas em promoção ao longo do ano que podem ser interessantes para algum elemento da família (neste particular, sou uma sortuda, porque o meu marido está sempre na primeira linha em busca das melhores ofertas).
E depois ainda existem todos aqueles pequenos extras como pensar em presentes de fim de ano para os professores. Muitos homens nem sabem que isso é uma cena.
- Manter o contacto com a família;
- Lembrar dos aniversários de cada familiar;
- Partilhar fotos com os avós;
- Planear encontros e convívios familiares;
- Ajudar as crianças a escreverem cartas e a fazerem cartões de aniversário para os avós;
- Certificar-se de que elas passam tempo de qualidade com os seus primos;
- Organizar encontros para brincar com os amigos;
- Saber com quem eles estão a sair;
- Com quem estão a ter conflitos;
- Quem é uma boa influência e quem não é;
- Saber quem são os pais dos seus amigos e se as suas casas são um lugar seguro para deixarem o filho ir lá dormir.
Escola
- Formulários para preencher;
- Registos de leitura;
- Autorizações;
- Formulários de contacto de emergência;
- Formulários de várias páginas para cada atividade;
- Ajuda a realizar trabalhos manuais para dias especiais;
- Participar em eventos de celebrações, como o Natal e festa de final de ano (e tudo o que isso implica: ensaios, comprar materiais, etc.).
- Supervisão dos trabalhos de casa;
- Saber em que matérias estão a ter mais dificuldade;
- Saber quando entrar em contato com o professor;
- Certificar-se de que eles colocam os trabalhos de casa novamente na mochila (e todos os restantes manteriais necessários para o dia seguinte);
- Escolher o material escolar;
- Comprar o disfarce de Halloween e de Carnaval;
- Preparar lanches ou enviar dinheiro para o lanche;
- Saber os horários da escola e dos autocarros;
- Desenrascar aqueles recados e necessidades de última hora, do género “mãe, esqueci-me de te dizer que amanhã tenho de levar um bolo para a feirinha (comunicado às 21h do dia anterior).
Gestão das agendas
- Gerir o calendário familiar e perceber eventuais conflitos nele: isso ocupa uma quantidade enorme de espaço no cérebro (principalmente quando há apenas 1 carro na família…);
- Horário escolar (sem esquecer os dias especiais, como greves e dias festivos, que obriga a mudar toda a rotina e nos apanham às vezes de surpresa);
- Horários de autocarros;
- Concertos;
- Atividades extracurriculares;
- Aulas;
- Festas da turma;
- Visitas de estudo;
- Consultas médicas;
- Reuniões escolares;
- Cabeleireiro;
- Festas do pijama;
- Festas de aniversário;
- Acampamentos de verão, entre muitas outras coisas.
O pai vai buscar o filho à escola, mas é a mãe que o avisa que hoje é dia de natação…
Planeamento de refeições
- Planear e fazer compras dentro de um orçamento;
- Criar um plano de refeições semanal e listar todos os alimentos que precisam de ser comprados para confecionar essas refeições (ver o que temos em casa e o que é necessário comprar);
- Garantir que fazemos um plano alimentar saudável, nutritivo e diversificado (e incluímos uns pequenos snacks e guloseimas que são muito apreciados em casa);
- Tarefas de preparação prévia dos alimentos, para as refeições: lembrar de tirar o peixe para descongelar; colocar o bacalhau a demolhar (e lembrar de mudar a água); preparar os ingredientes; garantir que temos os temperos necessários; procurar receitas;
- Sem falar de todos os outros itens em que também há necessidade de acompanhar o stock e colocar na lista de compras, quando necessário: higiene, limpeza, bebidas, e tudo o mais.
O pai faz as compras no supermercado, mas muitas vezes essa lista é feita pela mãe.
O pai põe a louça na máquina, mas provavelmente é a mãe que gere o stock das cápsulas da máquina de lavar louça.
Viagens
Aqui podemos falar sobre viagens de trabalho e viagens em família…
A mãe vai viajar a trabalho durante 2 dias, mas:
- deixa post-its por todo o lado;
- comida já confeccionada;
- roupas lavadas e separadas…
- enfim, um manual de instruções, com todos os planos e programações dos quais não vai fazer parte, para que possam entrar no modo sobrevivência.
O pai vai viajar a trabalho e:
- muitas vezes dá apenas um beijinho e vai à sua vida.
E viagens de férias? Bem, perguntem a vocês mesmas, quem é que prepara a mala dos filhos e garante que toda a roupa, acessórios, itens de higiene, brinquedos, medicamentos, etc. estará dentro daquela mala…
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Necessidades emocionais
E, finalmente, cuidar das necessidades emocionais da família. Estarmos atentas para tentar perceber o que está a acontecer no mundo emocional de cada um lá em casa.
- Quem precisa de apoio extra e algum abraço?
- Quem precisa de conversar?
- Quem precisa de algum espaço e liberdade para descobrir as coisas por conta própria?
- Quem não se está a sentir bem e precisa de carinho?
- Como podemos ajudá-los a controlar melhor a sua raiva, a gerir a ansiedade, a aprender a ter empatia pelos outros, a tratar as pessoas com gentileza?
Esta é apenas a ponta do iceberg. A lista é interminável e poderia preencher um livro inteiro.
As mulheres estão constantemente a gerir e a controlar tudo o que precisa de ser feito em casa e em relação aos filhos.
Percebem agora por que estão as mães todas cansadas?
Fontes: Artigo traduzido e adaptado das seguintes fontes:
The mental workload of a mother
Being CEO of the household is weighing women down
The ‘mental load’ falls squarely on mothers’ shoulders—and it’s making us very tired
Fundadora do projeto Mães às Claras