Fundadora do projeto Mães às Claras
A desigualdade salarial (e não só) entre homens e mulheres no mercado de trabalho existe e uma das grandes responsáveis por esta discriminação está relacionada com a parentalidade e com o desafio da conciliação entre a vida pessoal e profissional.
Conteúdo
Introdução
Lembro-me de muito pouco sobre as aulas de Contabilidade Financeira I que tive no meu 1º ano da Licenciatura em Gestão. Mas recordo, no entanto, com muita vivacidade um comentário do professor que lecionava a respetiva cadeira, relativamente ao ciclo natural de progressão de carreira e, em particular, dos diferentes ritmos e performance, entre os estudantes do sexo masculino e feminino.
Dizia ele (as palavras não serão exatamente estas, porque já lá vão 16 anos!), que numa primeira fase de início de carreira, nós (as jovens mulheres recém-licenciadas) arrancaríamos com todo o nosso potencial no mercado de trabalho e, em boa parte dos casos, conseguiríamos superar os nossos colegas do sexo masculino. Mas, acrescentava ele logo de seguida, uma década depois, o mais provável é que essa posição seja invertida.
O motivo? Serão vários, mas o que mais pesará é esse mesmo que estás a pensar: a parentalidade!
Porque continua a ser um tema atual e de difícil gestão nas sociedades ocidentais, importa continuar a colocar foco nesta problemática, com vista à reflexão e melhoria contínua, enquanto sociedade.
Neste sentido, este será o primeiro de alguns artigos que aqui vou publicar, debruçados sobre este tema, no sentido de consciencializar para a problemática da Igualdade de Género, em contexto profissional, contribuindo para a mudança do paradigma, dos valores e dos comportamentos de cada cidadão e da sociedade como um todo.
O futuro está nas pessoas e nas entidades empregadoras mais inclusivas e mais igualitárias.
Ler também: Licença parental não chega: 4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais
O que é a Igualdade de Género?
A Igualdade entre Mulheres e Homens, ou Igualdade de Género, significa igualdade de direitos e liberdades para a igualdade de oportunidades de participação, reconhecimento e valorização de mulheres e de homens, em todos os domínios da sociedade, político, económico, laboral, pessoal e familiar.
Falar em Igualdade de Género atualmente torna-se assim fundamental, ainda mais se nos detivermos no aspeto de que a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não foi acompanhada por um crescimento correspondente da participação dos homens na vida familiar.
Portugal tem vindo, no entanto, a realizar progressos significativos no domínio da Igualdade de Género nas últimas décadas. Ainda assim, continua abaixo da média europeia: é o 15.º país na União Europeia (UE) no Índice de Igualdade de Género 2023.
Apesar da diminuição das desigualdades na frente profissional, as mulheres continuam a assegurar a maior parte dos trabalhos domésticos em Portugal e de cuidado aos filhos.
A Igualdade é uma construção, da qual ninguém está dispensado. Todos fazemos parte da solução e devemos contribuir para ela!
As profissões têm sexo?
Se eu listar aqui uma série de profissões, sem fazer qualquer menção sobre o género, e te pedir para procurares uma foto que represente alguém a desempenhar cada uma dessas funções, qual é a probabilidade de, por exemplo, me mostrares um homem a desempenhar a função de educador de infância? E de uma mulher polícia ou bombeira?
Pois é, certamente será uma probabilidade muito baixa.
No entanto, não existem – ou não deveriam existir -, profissões exclusivamente para homens e para mulheres. O acesso das mulheres e dos homens a funções profissionais está relacionado com as suas próprias competências individuais.
Qualquer pessoa tem capacidade para exercer qualquer profissão, independentemente do sexo. Não há apetência natural, o que significa que, homens e mulheres, devem poder escolher, manter-se e chegar a qualquer cargo de chefia, mantendo a tónica na capacidade e autonomia individual.
As profissões são para pessoas. É importante desconstruir os preconceitos e estereótipos associados às profissões.
Inserção das Mulheres no Mercado de Trabalho
A inserção das mulheres no mercado de trabalho continua a registar significativas desigualdades de género, que resultam da segregação horizontal e vertical entre mulheres e homens.
Os homens e mulheres tendem a concentrar-se em grupos profissionais diferentes sendo, consequentemente, muitos desses grupos fortemente masculinizados ou feminizados.
A desigualdade de género na divisão do trabalho reprodutivo decorre, da situação desigual das mulheres no mercado de trabalho e da ausência dos homens das responsabilidades familiares.
Mas será que existem desigualdades significativas entre sexos no mercado de trabalho?
Para nos ajudar a responder de forma objetiva a esta questão temos de analisar o que nos dizem os dados e indicadores estatísticos oficiais.
Em 2018, existiam em Portugal mais mulheres do que homens (52,74% vs 47,26%). No entanto, e apesar de estarem em minoria, existiam mais homens do que mulheres a trabalhar (51,1% vs. 48,9%).
Por outro lado, se colocarmos a lente de análise nos rendimentos, podemos observar que a diferença média salarial entre homens e mulheres é uma realidade objetiva e inegável.
É certo que esta diferença tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos. Não obstante, de acordo com os últimos dados oficiais publicados este ano, referentes a 2022, foi registado um aumento deste fosso salarial. Pela primeira vez em 10 anos…
Falando em termos monetários, em 2022, a diferença de remuneração média mensal das mulheres em relação aos homens foi de 160€ (nos quadros superiores, a diferença foi de 640€).
A igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho tem vindo a mudar o paradigma da sociedade e as dinâmicas das organizações.
Ser consciente dos direitos fundamentais dos trabalhadores e das trabalhadoras é um requisito essencial para se atingir justiça social, crescimento económico e desenvolvimento sustentável.
Só assim é possível combater as desigualdades de género nas organizações e alcançar uma efetiva igualdade.
Causas das Disparidades Salariais
As causas das disparidades salariais entre homens e mulheres são complexas, multifacetadas e refletem as desigualdades de género nos vários domínios da vida.
Vejamos as principais causas da diferença:
- Representações sociais em torno do sexo (que moldam os papéis sociais das mulheres e dos homens como também as suas orientações escolares e profissionais, influenciando as expectativas dos agentes económicos e da sociedade em geral);
- Segregação sexual horizontal ou vertical do emprego;
- Assimetrias no domínio do trabalho não pago, tais como as tarefas domésticas e trabalhos de cuidados que potenciam as dificuldades de articulação entre a vida profissional, familiar e pessoal;
- Escassez de modelos de organização de trabalho inclusivos;
- Escassez de políticas e práticas de gestão de RH, estratégicas e sensíveis à correção dos enviesamentos de género;
- Sistema de relações laborais e de negociação coletiva de trabalho, que não contraria as visões estereotipadas dos papéis de mulheres e de homens no mercado de trabalho;
- Sistema de remuneração e recompensas que tem resultado em diferentes níveis salariais para trabalhadoras e trabalhadores.
Dados Estatísticos do Instituto Europeu
De acordo com este vídeo, na UE as mulheres ganham 16% menos do que os homens por hora.
Com medidas mais ativas em prol da igualdade de género, o crescimento do emprego na UE alcançaria quase 80% em 2050, de acordo com este estudo do EIGE, ilustrado no vídeo.
Colocar a igualdade de género no centro de todas as políticas, desbloquearia um enorme potencial da UE, em termos de emprego e do crescimento da própria economia!
É fundamental que a igualdade de direitos se torne em igualdade de facto.
A aproximação dos interesses das trabalhadoras, dos trabalhadores e das entidades empregadoras é uma clara prioridade na lei da promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens, realçando que a igualdade entre todos os seres humanos não é um privilégio, mas sim um direito.
Portugal adotou uma lei para promover a igualdade de remunerações entre mulheres e homens e para efetivar o princípio constitucional de “salário igual para trabalho igual ou de igual valor”.
Um dos instrumentos inovadores introduzidos foi o Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre mulheres e homens, lançado a 27 de junho de 2019, que pretende oferecer mais e melhor informação estatística sobre esta matéria.
Esta ferramenta serve de apoio à reflexão, monitorização e promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor, garantindo maior rigor e transparência nos dados. Podem consultar aqui a sua edição mais recente, publicada a 29 de junho de 2024.
Dia Nacional da Igualdade Salarial
Para dar ênfase a esta questão social, foi criado o Dia Nacional da Igualdade Salarial.
Este dia não tem data fixa, pois representa o número de dias de trabalho em que as mulheres virtualmente deixam de ser remuneradas, enquanto os homens continuam a receber os seus salários.
Em 2023, o Dia Nacional da Igualdade Salarial foi assinalado a 14 de novembro. Num mundo ideal, seria assinalado a 31 de dezembro… porque significaria que teríamos alcançado a paridade salarial!
A Comissão Europeia também assinala, todos os anos, o Dia Europeu da Igualdade Salarial para continuar a sensibilizar para o facto de as trabalhadoras na Europa ainda ganharem, em média, menos do que os seus colegas homens. Este dia muda, igualmente, todos os anos, com o mesmo critério do dia nacional, ou seja, dependendo dos números mais recentes sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres na UE. Em 2023, o “European Equal Pay Day” assinalou-se a 15 de novembro.
Mulheres nos Cargos de Decisão
Mas será que a desigualdade existe nos diferentes níveis de poder, cargos de gestão e influência? E se sim, será maior ou menor?
Bem, ao nível salarial, já acima foi mencionado a diferença média dos ganhos nos quadros superiores, tendo ficado claro que, não só existe desigualdade, como esta é ainda mais expressiva (640€ em 2022).
Mas e em termos de representatividade nos cargos de decisão?
Relativamente à representação equilibrada entre mulheres e homens na tomada de decisão económica, verificou-se que na média europeia, os homens ocupavam posições mais elevadas que as mulheres.
Em Portugal, uma lei estabelece o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público, empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
Ainda assim, os membros dos Conselhos de Administração das empresas do PSI-20 são, na sua esmagadora maioria homens.
2019: 74,8% – Homens vs. 25,2% – Mulheres
2020: 73,7% Homens vs. 26,3% – Mulheres
Em Portugal, a maioria das pessoas com ensino superior e doutoradas são mulheres (54.8%). No entanto, os homens ocupam a esmagadora maioria dos lugares de membros dos conselhos de administração das maiores empresas cotadas em bolsa.
Só há uma maneira de equilibrar as coisas: o mérito tem de estar na base da escolha para os cargos de decisão.
Fonte: Curso online Igualdade de Género no Trabalho e no Emprego, desenvolvido pelo CITE e IEFP, disponível na plataforma NAU
Fundadora do projeto Mães às Claras