Fundadora do projeto Mães às Claras
Lembra-te: um bom regresso ao trabalho, bem planeado e preparado lança-te as bases para o início de toda a tua carreira enquanto working mom.
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Por que não devemos negligenciar o regresso ao trabalho depois da maternidade?
Não, não me enganei.
Provavelmente nunca terás ouvido esta expressão mas o termo foi popularizado por Lauren Smith Brody, uma jornalista americana e autora do livro e do movimento “The Fifth Trimester”, que definiu o quinto trimestre como sendo aquele no qual ocorre o nascimento da working mom e, onde acontece também o segundo corte do cordão umbilical – a separação entre mãe e bebé – e este, minha amiga, nós sentimos!
A maior parte de nós foca toda a atenção na gravidez, no parto e cada vez mais, no pós-parto também (felizmente!). Procuram informação atual, baseada na evidência, fazem cursos, leem livros, seguem contas no Instagram…
Mas por regra há tendencialmente uma fase que fica completamente ignorada neste caminho: o regresso ao trabalho.
Sabemos que será uma fase exigente, mas não sendo um assunto muito agradável, principalmente quando estás em plena bolha de amor com o teu bebé recém-nascido, é normalmente um tema muito pouco romântico e frequentemente gerador de stress.
E o que fazemos? Empurramos com a barriga (eu nem queria pensar sobre isso, muito menos discutir o tema para o preparar da melhor forma possível).
Este é um dos maiores erros que podemos cometer neste processo…
Um regresso ao trabalho depois de sermos mães e pais é um longo e complexo processo que envolve vários níveis da nossa vida: logístico, financeiro, emocional, hormonal, fisiológico…
Mesmo quando estás a voltar para a mesma empresa e função que tinhas antes de saíres de licença, essa empresa e essa função já não serão as mesmas. As empresas evoluem, as pessoas entram e saem a todo o momento (principalmente nas de maior dimensão); os líderes e managers alteram-se; a cultura é moldada pelas suas pessoas e lideranças e, portanto, também poderá sofrer modificações; até mesmo a função que exercíamos poderá estar agora diferente (em virtude de ter sido executada por uma outra pessoa durante largos meses).
A verdade é esta: a empresa que deixamos há uns meses para ir de licença, já não é a mesma que vais ter quando regressares. Quando estamos em pós-parto, em plena bolha de amor, podemos ingenuamente acreditar que o mundo fica parado na terra dos bebés. Mas lá no fundo sabemos que isso não é verdade… e a injeção de realidade é-nos dada no dia em que regressamos ao trabalho.
“As empresas são pessoas”, diz-nos a velha máxima. E é isso mesmo, são organismos vivos que evoluem com o tempo.
O que significa que a dinâmica, projetos e clientes provavelmente serão diferentes.
Isto pode ser particularmente crítico se uma das pessoas que saiu tiver sido o teu manager ou supervisor direto. Mais crítico será ainda se foi esse mesmo manager que te contratou… porque podes ter perdido a pessoa que mais acreditou e apostou em ti. Se ele saiu durante a tua licença, o teu novo manager provavelmente nem te conhece…
Por outro lado, podes ter agora um jovem em início de carreira, que foi contratado para cobrir a tua licença parental, e que está a tentar “dar tudo” para agarrar essa oportunidade e tentar um lugar na empresa, nessa ou noutra função. Sim, provavelmente, tentará competir contigo quando regressares (principalmente se a empresa não souber gerir devidamente esse processo e não comunicar abertamente e de forma transparente quais são as suas intenções para a reestruturação da equipa…).
Muita coisa mudou durante esses meses em que estiveste fora.
Mas há uma em particular que sofreu uma mudança muito profunda: Tu!
É muito importante gerires expectativas sobre isto: tu já não és a mesma pessoa, nem serás a mesma profissional que eras antes de seres mãe.
Não perdeste valor. Eu defendo, aliás, que estarás agora mais valiosa, porque vens apetrechada de novas skills que a maternidade te trouxe.
Mas estás diferente, tens agora novas limitações e condicionantes, e deves aceitar essas diferenças e ser totalmente honesta e transparente com a tua chefia e (sobretudo) contigo mesma.
Conforme diz Daisy Wademan Dowling, fundadora e CEO da Workparent , no artigo da Harvard Business Review “How to Return to Work After Taking Parental Leave“, “Se eras a pessoa que trabalhava mais arduamente no escritório, então talvez te tornes a mais eficiente. Se eras a melhor mentora ou líder de projeto, torna-te a melhor a delegar tarefas”.
Provavelmente vais precisar de mais tempo para alcançares os teus objetivos, de mais flexibilidade… mas por outro lado, levarás para a equipa uma boa dose extra de resiliência, maturidade, empatia, resolução de conflitos, liderança, capacidade de definir prioridades, criatividade, entre tantas outras skills que a maternidade te pode trazer.
Coisas que muito provavelmente não tinhas tão bem desenvolvidas antes de seres mãe.
Só não acredites muito que vais voltar exatamente a mesma pessoa porque, em princípio, não vai acontecer!
Podes ser uma profissional experiente, mas vais ser uma working mom estagiária, a tentar aprender como é possível coordenar e conciliar da melhor forma estas duas realidades tão diferentes e exigentes: maternidade e carreira.
Estas crenças levam-nos muitas vezes a subvalorizar o regresso ao trabalho e frequentemente pouco ou nada fazemos para o preparar.
O papel dos 3 pilares da sociedade
Eu defendo que existem 3 pilares base que precisam de ser refinados e coordenados para uma maior harmonia na conciliação entre maternidade e carreira: empresas, Estado e famílias.
Empresas
Anna Fels, no seu artigo “Faltará ambição às mulheres?”, publicado em 2004, na Harvard Business Review, refere que, “hoje em dia, as ameaças às ambições de uma mulher surgem numa fase posterior da vida, quando já têm famílias e tentam avançar para posições mais competitivas no seu trabalho. As mulheres que procuram ter uma carreira têm de lidar com empregos estruturados de modo a acomodar os ciclos de vida de homens com esposas que não têm carreiras a tempo inteiro.”
Tal como mencionado no artigo acima, o atual modelo de funcionamento do mundo corporate foi desenvolvido, projetado e pensado por homens, para homens.
Não julgo! Na altura era compatível com o contexto histórico. O problema foi ter ficado estagnado durante tanto tempo, não tendo acompanhado as dinâmicas familiares e sociais, nomeadamente a entrada generalizada das mulheres para o mercado de trabalho.
As empresas precisam urgentemente de despertar para essa realidade cada vez mais gritante, de uma sociedade que clama por flexibilidade, saúde mental e conciliação entre vida pessoal e familiar. Não é luxo, é necessidade. Se queremos uma sociedade mais saudável, a criar filhos mais felizes, confiantes, capazes e saudáveis, precisamos que as empresas deem esse passo de coragem!
E os millennials (e mais recentemente a Geração Z) têm sido determinantes nesta matéria, com a pressão que têm vindo a exercer no mercado de trabalho, para a promoção de uma melhor e mais saudável conciliação entre a vida pessoal e profissional.
Sendo atualmente os millennials, a geração mais representada no mercado de trabalho e, portanto, a maior força de trabalho das empresas, têm o poder nas mãos e o potencial para mudar tudo, nomeadamente, os packs de benefícios que as empresas oferecem (ou que não oferecem, mas terão de começar a oferecer…).
Empresas, esta mensagem é para vocês: se querem atrair e reter o melhor talento do mercado, terão forçosamente de “contratar” para a vossa cultura de trabalho palavras como “flexibilidade”, “conciliação entre vida pessoal e profissional”, “diversidade e inclusão”, “empresa family-friendly“, entre outras.
Ler também: Licença parental não chega: 4 práticas que as empresas podem implementar para apoiar os pais
Famílias
Por outro lado, as famílias precisam também de reavaliar as suas dinâmicas. As mulheres passaram a dividir as responsabilidades financeiras com os homens, assumindo também as suas próprias ambições profissionais e de desenvolvimento de carreira.
Mas não houve uma correspondência na divisão das tarefas domésticas e de cuidado aos filhos.
Mesmo nos casos em que existe uma repartição aparentemente mais equilibrada, normalmente o homem assume tarefas mais de execução e a mulher continua a assegurar as tarefas de maior esforço cognitivo, que provocam uma maior carga mental.
A igualdade de género começa em casa, em cada um de nós, na relação com os nossos parceiros. Há que conversar em casal e negociar uma divisão mais justa e equilibrada das responsabilidades familiares e domésticas.
Ler também: Carga mental das mães: o pesado bastão da CEO da casa
Estado
O terceiro alicerce é o Estado. E aqui, mais do que a melhoria dos direitos e licenças parentais (que, quando vendo no contexto mundial, não estão assim tão maus), urge melhorar os mecanismos e instrumentos de facilitação da aplicação desses direitos, nomeadamente através de uma maior transparência e simplificação sobre os direitos existentes.
Por outras palavras, o Estado deve criar plataformas e instrumentos que tenham como objetivo difundir e comunicar de forma mais clara e simples que direitos as famílias têm (e como podem ativá-los), em matéria de apoio à parentalidade, quer sob a forma de licenças parentais, quer sob a forma de direitos que podem ativar, enquanto pais que trabalham.
Ser um facilitador, garantindo informação atual, simples e acessível a todos os cidadãos e empresas, para combater a desinformação e o receio de ativarmos direitos legalmente estabelecidos, apenas por medo ou por desconhecimento.
Ler também: Mitos no regresso ao trabalho
Como nos podemos preparar para o regresso ao trabalho?
Independentemente do ritmo e coordenação a que estes 3 pilares se vão reajustando, há uma coisa que depende de ti, de mim, de nós: prepararmos bem o nosso regresso ao trabalho.
Mas há aqui 3 coisas que queria, desde já, partilhar contigo:
- É perfeitamente normal e provável que vás sentir um choque, um impacto forte no regresso (mesmo quando bem preparado);
- As coisas não voltarão automaticamente ao seu lugar no trabalho ou em casa. É preciso dar tempo ao tempo;
- Só vais entender o que é na sua essência e profundidade o 5º trimestre quando o sentires na própria pele.
Parte boa? Existem formas de te preparares para o regresso ao trabalho e podes (e deves) planear com tempo todas as etapas dessa equação, procurando ajuda e informação e refletindo com profundidade e em casal, sobre as melhores opções para a vossa dinâmica e contexto.
Lembra-te: um bom regresso ao trabalho, bem planeado e preparado lança-te as bases para o início de toda a tua carreira enquanto working mom.
Se queres conciliar da melhor forma maternidade e carreira começa por aqui! Com um bom plano de regresso ao trabalho!
Neste artigo “15 passos para um regresso ao trabalho mais tranquilo“, explico em detalhe o que deves ter em conta e que passos deves dar para assegurares um regresso ao trabalho mais suave, tranquilo e confiante.
E muito, muito em breve terás também disponível algumas ferramentas práticas, desenvolvidas pela Mães às Claras, para que possas preparar da melhor forma o teu regresso ao trabalho!
Se depois disto não quiseres reter nada do que aqui leste, peço-te só para guardares pelo menos estas duas coisas:
- Não faças algo só porque todos fazem. Não é porque funcionou com os outros que vai funcionar contigo e com a vossa dinâmica e contexto familiar (até porque não sabes se realmente funcionou com os outros ou se até nem terá funcionado, mas também eles se limitaram a fazer o que todos faziam, perpetuando um ciclo de erros e de más decisões).
- Faças as escolhas que fizeres, não faças este caminho sozinha! Pede ajuda, entra em grupos de pais, rentabiliza ajuda dos teus pais, irmãos, amigos, etc. Só não o faças sozinha!
O regresso ao trabalho depois de seres mãe não é uma data, é um processo complexo, de transição de uma realidade para outra totalmente diferente. Para umas mulheres poderá ser mais fácil e natural; para outras poderá ser extremamente desafiante, complexa e longa. Uma fase que, uma vez iniciada, permanecerá ali presente durante toda a nossa vida ativa.
Ah! E não existe uma fórmula mágica ou uma solução one-size-fits-all. Cada família é única e a cada uma cabe procurar a “fórmula” que melhor funcione para si.
Vamos então preparar o nosso 5º trimestre?
Fundadora do projeto Mães às Claras